Joana Fojo Ferreira A pandemia do covid-19 implicou ajustes e adaptações nas vidas de todos nós. Há os que tiveram relativa facilidade neste ajuste, e até fizeram reformulações interessantes e desejadas nas suas vidas, e há os que tiveram mais dificuldade, para quem a situação foi mais desafiante e dura.
Passados dois meses, há potencialmente novas mudanças, novas adaptações, que o cenário atual, ainda que gradualmente, impõe fazer – os que gostaram ou beneficiaram da experiência de confinamento, podem ter dificuldade agora no retorno ao registo anterior, e os que tiveram dificuldade com o confinamento, podem debater-se com a lentidão necessária do retorno. Independentemente de para que lado pendemos mais, darmo-nos tempo e espaço para ir fazendo o balanço desta experiência é importante para a integrarmos na nossa história, na nossa identidade, de uma forma o mais tranquila e saudável possível:
Enfim, há muito para refletir e integrar, e associado a um contexto de incerteza do que vai acontecer daqui para a frente – o retorno é definitivo ou vamos precisar voltar ao confinamento? Quando é que nos poderemos sentir mais seguros relativamente aos riscos de contágio? Quanto é que as dificuldades económicas decorrentes da pandemia me vão afetar? Quando é que me posso voltar a sentir um cidadão do mundo e desfrutar de uma mobilidade relativamente livre por ele?… É tempo de nos darmos espaço para ir formulando as nossas perguntas e encontrando as nossas respostas. Salvo situações mais radicais de fundamentalismos preocupantes, não há reações certas e erradas, nem opiniões certas e erradas, vamo-nos debruçando sobre elas à medida que as vamos sentindo presentes em nós, e vamo-nos construindo ou reconstruindo com elas.
0 Comments
Joana Fojo Ferreira Em jeito de desafio numa viagem de carro, pedi ao meu companheiro sugestões para um novo texto aqui para o blog. A primeiro sugestão provocadora foi escrever como a psicoterapia não interessa a ninguém, seguida da qual sugeriu a reformulação de como a psicoterapia interessa a todos.
Ora, confesso que tenho tendencialmente uma postura de que a psicoterapia não interessa a toda a gente, no sentido de que nem todos se identificam com o registo psicoterapêutico, e um ponto muito importante num processo terapêutico é a motivação do paciente e confiança que o processo vai ser útil. Mas a ideia da psicoterapia interessar a todos não deixa de me fazer sentido segundo uma perspetiva diferente, a perspetiva de ser importante e interessar a todos o investimento na nossa saúde mental e os benefícios também de uma abordagem preventiva, em que se investe no nosso desenvolvimento e transformação pessoal através do auto-conhecimento e da exploração de formas alternativas saudáveis de estar e viver a vida. E de certa forma estas perspetivas são perfeitamente conciliáveis, a psicoterapia tem potencial para ser útil a toda a gente, desde que haja um interesse e uma disponibilidade em investir nela. Como é que a psicoterapia favorece a saúde mental? Quando a “doença mental” já está instalada, ou seja, quando há um problema psicológico identificado que justifica a procura de ajuda, a psicoterapia procura identificar os fatores que estão a contribuir para o problema, a dinâmica destes fatores que mantém o funcionamento problemático, o que é que está a impedir um funcionamento mais saudável, e a partir daqui explora e promove a experimentação de alternativas de funcionamento mais saudáveis, procurando identificar e mobilizar recursos existentes no campo/no sistema, internos e externos, que até ao momento não estavam acessíveis. Quando não há um problema psicológico claro, mas há um desejo de desenvolvimento e enriquecimento pessoal, a terapia pode ser útil, no sentido de favorecer o auto-conhecimento – o reconhecimento dos nossos padrões de funcionamento, a compreensão de como é que fazemos as escolhas que fazemos, o que é que nos move, como é que nos relacionamos com os outros e connosco mesmos. E esta forma de estar na vida mais consciente aumenta os nossos graus de liberdade de ação, permite-nos fazer escolhas mais conscientes e com maior potencial de trazer resultados benéficos à nossa vida, ajuda-nos a discriminar melhor o essencial do acessório, a escolher melhor as nossas lutas e as nossas “armas”, e isto tem um impacto potencialmente transformador nas nossas vidas, nas nossas relações e no mundo, já que cidadãos mais conscientes contribuem para um mundo melhor. Joana Fojo Ferreira A recente experiência da maternidade deixou-me a pensar sobre os ingredientes necessários a uma boa adaptação a grandes mudanças de vida, mesmo quando são positivas e desejadas.
Tenho que confessar que nunca tinha vivido nada tão desafiante até à data, e creio que tenho hoje uma compreensão diferente sobre como pode ser duro adaptarmo-nos a novas situações de vida, e um respeito maior pelas pessoas que abraçam grandes desafios e procuram gerir as dificuldades inerentes ao processo de adaptação. Quando as mudanças são à partida positivas e desejadas, que são aquelas sobre as quais me debruço neste texto, uma dificuldade inicial frequente são as nossas próprias expectativas que vai ser tudo maravilhoso porque é um desafio que queremos muito abraçar, e igualmente as expectativas dos que nos rodeiam, que também tendem a imaginar um cenário idílico, e até eventualmente a invejá-lo, e portanto a desconsiderar as dificuldades associadas. Um primeiro ingrediente portanto que eu recomendo para uma boa adaptação a grandes mudanças é regular as nossas expectativas e as dos que nos são próximos, procurando reconhecer os desafios e as dificuldades que a mudança vai trazer. Adicionalmente, e também relacionado com expectativas, face a estas mudanças positivas e desejadas, imaginamo-nos super capazes de lidar com tudo sozinhos, super autónomos e competentes, e muitas vezes desvalorizamos a importância e necessidade absoluta de pedir e acolher todo a ajuda e suporte que nos possam dar. É tudo tão mais suportável e descomplicado quando é partilhado, quando vivemos a experiência acompanhados e não sozinhos. Portanto o segundo ingrediente que recomendo é rodearmo-nos de pessoas que nos possam dar diferentes tipos de apoio, tanto físico como emocional, e percebermos que isso não põe em causa a nossa capacidade, pelo contrário, ajuda-nos a desenvolver estas novas competências (que precisamente por serem novas não poderiam estar já adquiridas) e mobilizar recursos que sozinhos poderiam nem nos ocorrer. Depois a certa altura há o risco de nos sentirmos tão submersos nas dificuldades, que esquecemos as coisas boas, ou o propósito ou o objetivo maior; pelo que o terceiro ingrediente que recomendo é lembrarmo-nos e valorizarmos as coisas boas inerentes à mudança, porque é difícil sim, mas consegue ser tão bom também. Um quarto ingrediente, e de extrema importância, é irmos lendo o nosso estado interior, as necessidades que precisamos satisfazer; e as pessoas à nossa volta também podem ser bons aliados a ajudarem-nos a perceber o que estamos a precisar. Porque é super importante podermos ir-nos ajustando ao que vamos precisando momento-a-momento, que passará algumas vezes por experimentar coisas novas, e outras vezes por reintroduzir gradualmente rotinas ou hábitos anteriores que eram importantes para nós. Por último, um ingrediente que considero também essencial, é perceber que as mudanças, como a própria vida, são processos dinâmicos, sem fim, vão sempre haver oscilações entre momentos de imensa satisfação e sensação de auto-realização, e momentos de grandes dúvidas, aflições e até desespero. Se já o esperarmos, vai ser mais fácil lidar com os momentos maus e não deixarmos que os momentos bons se deixem afetar demasiado por eles. Portanto, invista nas mudanças que quer para a sua vida e abrace os desafios que lhe são inerentes, não esquecendo nem de valorizar o bom nem de cuidar do mau. Joana Fojo Ferreira No seguimento dos incêndios de Outubro do ano passado, escrevi um pequeno texto no facebook sobre o luto que me pediram para estender.
Na altura escrevi: “Os incêndios destes dias deixaram novamente o país de luto. Há uma corrente geral de indignação, de revolta, e também de solidariedade. E o processo de luto comporta de facto todos estes elementos, permite-nos entrar em contacto e processar a zanga, a tristeza, o medo – todo um fluxo de emoções intensas e muitas vezes contraditórias; e contactar também com a nossa necessidade de suporte e (re)conexão connosco próprios, com os outros, e com o que é realmente importante na vida. E os processos de luto são importantes por isso mesmo, por nos proporcionarem um espaço e um tempo para processarmos todo o caos interior em que ficámos, acolhermos o apoio dos que nos rodeiam e empatizam com a nossa dor, e mobilizarmos os recursos necessários para as mudanças e adaptações que precisamos fazer. O luto é duro mas abre a porta à transformação e adaptação positiva. Que este luto nacional, e todos os nossos lutos, possam trazer mudanças importantes e sólidas.” Perder alguém que nos é importante é tão difícil, que tendemos a desvalorizar a importância do processo de luto, vendo-o muitas vezes como uma inevitabilidade que gostaríamos de dispensar. Vai muito ao encontro de uma tendência social geral para banir, abafar, pôr de parte o que é doloroso, procurando apenas contactar com o que traz satisfação e prazer. Esquecemos nesta hiper-desvalorização do doloroso, que ele tem uma função adaptativa, de processamento de uma perda, no caso do luto, e consequente favorecimento da adaptação e investimento numa nova realidade. Processar uma perda implica conectar com uma variedade de emoções associadas, entre a zanga, a tristeza, o medo,… e no processo de darmos algum sentido à experiência, passamos pelo choque, pela negação, pela revolta, pela apatia, pela aceitação, até chegarmos a um novo equilíbrio – é este processar da perda que permite a adaptação e investimento na nova realidade. Se não nos permitirmos este processar, a experiência de perda fica cristalizada dentro de nós, sem movimento, sem evolução, impedindo-nos de reformular e reinvestir na nossa vida. É também esta conexão connosco, com as nossas emoções, que nos permite reconhecer as nossas necessidades, e procurar o suporte de outros que nos possam ajudar a satisfazê-las, nomeadamente a necessidade de conforto, de ligação, de sentido. Neste processo de processamento da perda e reconexão connosco e com os que nos rodeiam, possibilitamos a mobilização dos recursos necessários para as mudanças e ajustes que sentimos necessidade ou queremos aproveitar para fazer. Porque ainda que o luto seja duro, também traz coisas importantes e positivas, ou pelo menos tem potencial para as trazer, se nos dermos a possibilidade de o viver. Entre algumas possibilidades de transformação positiva, podemos incluir, a título de exemplo, a reconexão ou reaproximação a pessoas de quem durante um tempo nos afastámos, ou o reconhecimento de competências e recursos que julgávamos não ter porque na presença do outro não sentimos necessidade de desenvolver, ou o investimento em projetos pessoais e/ou humanitários que foram ficando na gaveta e que agora sentimos novo ímpeto para retomar, ou a reformulação de valores, tornando-se mais claro o que é que realmente valorizamos na nossa vida. Neste sentido o meu apelo é para não se assustarem nem desvalorizarem o luto, e pelo contrário darem-se espaço para o viver e processar. ![]() Andreia Silva santos Por vezes, há pensamentos e sensações que são difíceis de compreender, que assumem proporções que nos transportam para um lugar de desconforto crescente, de maior ansiedade, angústia ou até medo. Contudo, olhando para fora, para o exterior, não se encontra motivos, pelo menos na mesma ordem de grandeza com que se perceciona dentro. É neste sentido, que surge uma discrepância entre aquilo que se passa na realidade exterior e na realidade interior. Mas porque é que isto acontece? Porque há a perceção da existência de uma ameaça, mesmo quando ela não está lá. Por exemplo, perante situações de avaliação, aquilo que de facto é avaliado são os conhecimentos sobre uma matéria em específico, mas para algumas pessoas a situação é muito ameaçadora porque é percecionada como uma ameaça à sua auto-estima, encarando a situação como uma prova do seu valor pessoal. A ansiedade natural presente nestas situações passa a ser, mais desconfortável e por vezes até bloqueadora. Outro exemplo, no contexto das relações amorosas, a pessoa pode ativar alguns dos seus medos (ex: rejeição, abandono) perante comportamentos do outro, quando o outro está apenas a expressar algo com uma intenção completamente diferente. Estas situações acontecem porque no passado, muito possivelmente ocorreram situações que deixaram marcas emocionais e sentir medo assumiu uma função protetora face aquela situação. A perceção que se tem da realidade e não tanto a realidade em si, condiciona de forma significativa a forma como nos sentimos perante as situações. Assim, uma das formas de lidar com a ansiedade e o medo é ganhar perspetiva. Geralmente quando se sente um certo nível de desconforto, a tendência mais comum é afastar desse desconforto, o que pode resultar pelo menos momentaneamente num certo alívio. Contudo, a ansiedade ou o medo não diminuem ou desaparecem. Assim, ganhar perspetiva não significa evitar o medo, significa olhar para o medo de frente, o que implica por si só uma distância, tal como numa relação entre duas pessoas, não é possível haver relação entre elas se estiveram demasiado juntas ou demasiado distantes. Depois de se olhar de frente para o medo é importante tentar perceber como é que ele é e aceitar que ele faz parte de nós e só aí, se pode estabelecer uma relação com este. Tentar perceber qual é a sua função, o que é que ele está a querer dizer, se é algo antigo e que possivelmente já não precisa de ser ativado ou se é algo novo. Aquilo que muitas vezes faz aumentar o tamanho dos medos, é ter medo do medo! Se ouvirmos um barulho desconhecido no sótão de uma casa e ele não desaparecer passado um bocado, é natural que se sinta medo, se ele perdurar e nunca se for ao sótão ver o que se passa, é natural que se possam imaginar vários cenários do que poderá ser. Ao ir até ao sótão, por vezes percebe-se que pode ser apenas um pequeno animal, e o medo desaparece ou alivia o grau de desconforto que se estava a viver. Joana Fojo Ferreira Há uns tempos numa sessão surgiu a importância de escolhermos as nossas batalhas.
Tendemos a achar que nos devíamos afirmar e defender em todas as situações, sem reconhecer os riscos desta postura. Quando luto em todas as frentes que se me deparam, disperso-me, desgasto-me, perco em eficácia, e frustro-me e desmoralizo com as demasiadas derrotas que vão inevitavelmente surgir. Por sua vez quando escolho as minhas batalhas, abrindo mão das que não são prioritárias, foco-me e invisto no meu objetivo, avalio melhor o que é necessário para ter sucesso e estabeleço a minha estratégia, torno-me mais eficaz, tenho menos derrotas a desmoralizar-me, venço mais, e aumento a minha auto-confiança e sentido de auto-eficácia. Por outro lado, muitas vezes a nossa necessidade de nos afirmarmos está assente numa necessidade de mudarmos o outro ou a sua perspetiva, e recriminamo-nos por não termos sido suficientemente firmes e eloquentes na nossa argumentação, acreditando que poderíamos mudar o outro (e vencer a nossa batalha) se o tivéssemos sido. Se é verdade que a segurança e eloquência de uma argumentação tem o potencial de tocar o outro e alterar a sua perspetiva ou a sua atitude, tendemos a desvalorizar o papel do recetor no sucesso desta demanda, e a realidade é que a nossa afirmação só toca o coração do outro se ele estiver disponível para ser tocado. O que isto implica é que a maior parte das batalhas que travamos caem em saco vazio ou escalam para uma luta de poder em que ambos os lados querem convencer o outro mas nenhum está disponível para ser convencido. No fim, gastámos uma quantidade imensa de energia numa demanda inútil e desmoralizadora. Na base deste fenómeno está a premissa bem conhecida dos psicólogos, que lutamos diariamente para incutir nos nossos pacientes (é a nossa batalha), de que não temos o poder de mudar os outros, apenas de nos mudarmos a nós próprios. Curiosamente, recentemente vi um vídeo da Esther Perel, uma terapeuta de casal, que vai um bocadinho além e diz qualquer coisa como – mudamos o outro mudando-nos a nós. E conciliando ambas as ideias – a maior parte das batalhas são infrutíferas, mudamos os outros mudando-nos a nós – tenho cada vez mais a sensação que tanto mais mudamos o outro quanto menos batalhamos para o mudar. Se eu mudar a minha postura combativa para uma postura mais aceitante do outro e/ou da minha incapacidade de o mudar, crio mais espaço, potencialmente, para o outro processar as suas coisas ao seu ritmo e direcionar os seus recursos para repensar a sua atitude mais do que se defender. Experimente, por exemplo, numa discussão em casal ou com um familiar ou um amigo, desculpar-se por aquilo em que magoou o outro, em vez de se queixar daquilo em que o outro o magoou. Vai notar que frequentemente o outro vai aceitar as suas desculpas e desculpar-se também por sua vez da dor que lhe causou a si. Já quando se leva a discussão como uma batalha, a tendência é ambos atacarem e nenhum se desculpar. Não se lance portanto impulsivamente a todas as lutas, faça escolhas, perceba que situações precisam que se afirme e lute, e quais beneficiam de baixar as armas e procurar acordos. No final saboreie os sucessos que estas escolhas lhe trarão. Joana Fojo Ferreira Para nos inscrevermos numa iniciativa de desenvolvimento pessoal, seja um grupo seja um workshop, queremos antes de mais perceber o que isso é.
Idealmente, enquanto alguém que quer lançar iniciativas deste género, eu deveria ser capaz de apresentar de forma sucinta e motivadora, em jeito de pitch, o que é que é isto de desenvolvimento pessoal e porque é que vale a pena. Mas quando tento, sai uma coisa complexa, muito pouco clara, que vai não vai deixa as pessoas mais assustadas do que motivadas. Há forças estranhas em jogo nesta minha dificuldade, imediatamente me surge que eu sou melhor a desenvolver ideias e elaborar sobre elas do que em resumi-las, mas depois percebo que não é bem verdade, já fui congratulada ao longo da vida pela minha capacidade de síntese e outras vezes criticada por esta mesma síntese. Pelo que talvez não seja por aqui. Depois surge-me a justificação de que desenvolvimento pessoal não se explica, experiencia-se. E se por um lado tendo a achar que é possível e até importante pôr palavras nas nossas experiências, faz-me imenso sentido ao mesmo tempo que desenvolvimento pessoal não se explique propriamente. Todas as minhas experiências de desenvolvimento pessoal foram vividas, e mesmo os momentos de reflexão e introspeção foram saboreados enquanto experiência, acompanhados de sensações no corpo que transformaram a coisa em muito mais do que um produto mental. É engraçado que esta ideia de sentir no corpo mais do que meramente pensar, que me é muito quentinha e motivadora, é o que assusta várias pessoas, talvez como se temessem ser engolidas pelo seu corpo, ou perderem o controlo, talvez seja mais por aqui. E aqui penso “não, mas eu nisto posso esclarecê-las e tranquilizá-las, já que eu própria tive imenso medo de perder o controlo ao juntar um corpo que sente e se expressa à minha hiper-investida cabeça”. É que isto de nos permitirmos sentir realmente assusta, tudo o que é novo e não familiar assusta. Mas também é verdade que quando reconhecemos que temos um corpo ligado à cabeça, ou melhor, que a própria cabeça faz parte de um corpo, o susto transforma-se em potencialidade. Viver com uma cabeça hiper-investida é como andar ao pé-coxinho para proteger uma segunda perna que em tempos se partiu. Algures no tempo foi preciso protegê-la para sarar, e temos medo de nos magoarmos e piorarmos se a voltarmos a usar, mas a certa altura vale a pena com jeitinho e gradualmente reintegrá-la como membro ativo do corpo, porque podemos viver eternamente ao pé-coxinho mas aumentamos muito os nossos graus de liberdade se possibilitarmos que as duas se articulem e damos suporte vitalizante à primeira perna, que sozinha se pesa e se desgasta muito mais. Corpo e cabeça é isto mesmo, o corpo assusta-nos porque sente muito as coisas, deixa-nos mais em contacto com a nossa vulnerabilidade, temos medo de nos magoar se o pusermos mais em ação; o que nos esquecemos de contemplar é que aproveitá-lo mais aumenta o leque de possibilidades no mundo e ajuda a cabeça a exercer melhor a sua função, é muito mais enriquecedor. É isto que se ganha com desenvolvimento pessoal, reconhecimento de todas as nossas partes e melhor uso de cada uma delas e da articulação entre todas. Já vai longo, eu sei, mas aos que ficaram suficientemente motivados para chegar aqui, deixem-me acrescentar que creio que a minha dificuldade em explicar desenvolvimento pessoal prende-se também com o facto de ser um processo, e não uma conquista estática, e muito idiossincrático, o ritmo e o que se desenvolve é diferente para cada um. Experiências de desenvolvimento pessoal abrem portas, cada um vive e descobre coisas diferentes em cada uma e explora as portas seguintes a partir da experiência com as anteriores. A troca e a partilha em grupo por sua vez abre mais portas e convida a mais possibilidades de as abrir e explorar. O fator grupo também tende a assustar mas novamente é a mesma ideia, o que começa por assustar acaba por facilitar. Portanto, o que é que é desenvolvimento pessoal? É auto-descoberta, reconhecimento de como funcionamos, o que são as nossas potencialidades e os nossos desafios. É experimentarmo-nos em contacto com os outros, perceber o que gostamos e não gostamos, o que nos é mais fácil e mais difícil. É olharmos e compreendermos o que é antigo em nós e disponibilizarmo-nos para experimentar o que pode ser novo ou vivido diferente. É para todos? Um lado meu gostava que fosse, há potencial enriquecedor e transformador para todos, mas nem todos nos identificamos com o mesmo registo, nem todos gostamos do mesmo tipo de experiências, ou nem todos estamos num período das nossas vidas em que faça sentido. Para os que se entusiasmam com este tipo de desafios, no fim vão encontrar muitas definições de desenvolvimento pessoal que vos vão fazer muito sentido e ser muito fáceis de compreender, depois de se darem a oportunidade de o viver. ![]() Andreia Silva Santos Agora findo aquele período de descanso e revitalização, que geralmente são as férias, há um conjunto de ideias e atividades que gostaríamos de ter feito durante o ano e que não fizemos pela tão conhecida “falta de tempo” e que durante as férias voltou a vontade de as colocar em prática, ao mesmo tempo que abraçamos o regresso ao trabalho já com tantas tarefas e com um certa sensação de já ter tantas coisas para dar conta. Nesta fase, onde a ideia e a realidade ainda não estão ajustadas, é importante recordar uma noção da gestão de tempo e energia tão conhecida - o estabelecimento de prioridades. Já conhece a história da forma certa de encher o jarro? Deixamos no fim, uma versão da história completa. Imagine que tem um jarro vazio e um conjunto de pedras grandes, seixos, gravilha e areia. Agora, imagine que para encher o jarro, vai colocando primeiro a areia e a gravilha e só no fim, as pedras maiores... O que acham que acontece? Será que vai caber tudo e de que forma? ... E se colocássemos as pedras grandes primeiro? E se o jarro fosse a representação do tempo que tenho disponível na minha vida? Quais seriam as minhas pedras grandes, seixos, gravilha e areia. Estou satisfeito com a forma como tenho enchido o meu jarro? Manter o foco naquilo que é importante para nós e simultaneamente cuidarmos disso, implica em primeiro lugar definir quais são as nossas pedras grandes. Depois de definidas, é importante que as coloquemos logo no "nosso jarro" (estabelecer dias e horas para as realizar na agenda) e que se defina um conjunto de ideias e atividades concretas e realistas que ajudem a cuidar daquilo que é realmente importante. Se passado algum tempo, a areia e a gravilha continuar a ocupar primeiramente o jarro, talvez essa possa ser uma oportunidade para repensar e recolocar as todo o conjunto de pedras. Muitas vezes ficamos presos àquilo que não fizemos e devíamos ter feito em vez de olharmos de forma livre e não julgadora: porque é que continuamente não ando a fazer algo que realmente é importante para mim? Deixamos então uma das versões completas da forma de encher o jarro: Um dia, um velho professor da Escola Nacional de Administração de França foi convidado para fazer uma apresentação sobre planeamento eficaz do tempo a um grupo de administradores de empresas norte americanas. O tempo que lhe foi atribuído foi muito breve: o professor tinha apenas uma hora para fazer passar a sua mensagem. Primeiro, o professor observou pausadamente os vários elementos deste grupo de elite (que estavam prontos a tomar notas de tudo o que o perito lhes quisesse ensinar). Seguidamente disse: “Vamos fazer uma pequena experiência.” O professor tirou um enorme jarro de debaixo da secretária que o separava dos alunos e colocou-o com cuidado à sua frente. Depois tirou cerca de doze grandes seixos, aproximadamente do tamanho de uma bola de ténis, e colocou-os cautelosamente, um após o outro, dentro do jarro. Quando o jarro estava cheio até acima e não havia espaço para mais seixos, olhou para cima, erguendo lentamente a cabeça, e perguntou aos seus alunos: “Este jarro está cheio?” E todos lhe responderam: “Sim...” Ele esperou alguns segundos antes de perguntar: “De certeza?” Então, desapareceu novamente por trás da sua secretária para reaparecer com um frasco cheio de gravilha. Despejou a gravilha sobre os seixos e em seguida agitou um pouco o jarro. A gravilha espalhou-se por entre os seixos até ao fundo do jarro. O professor olhou novamente a sua audiência e perguntou: “Este jarro está cheio?” Desta vez os alunos mais espertos começaram a entender. Um deles respondeu: “Provavelmente não.” “Certo!” respondeu o professor. Mais uma vez, desapareceu por trás da secretária e reapareceu com um balde de areia. Despejou a areia no jarro de forma que esta encheu o espaço entre os seixos e a gravilha. Perguntou novamente: “Este jarro está cheio?” Desta vez, os alunos mais espertos responderam sem hesitação e em coro: “Não!” “Certo!” disse o professor. E tal como os seus alunos mais brilhantes já esperavam, ele pegou numa garrafa de água que tinha sob a secretária e encheu o jarro até acima. Então, olhou a audiência e perguntou: “Qual é a grande verdade que esta experiência nos ensina?” O mais atrevido dos seus alunos – muito esperto – pensou no tema da apresentação e respondeu: “Ensina-nos que mesmo quando pensamos que a nossa agenda está completamente cheia, podemos sempre encaixar um encontro ou outras coisas a fazer.” “Não,” disse o professor, “não é essa a lição. A grande verdade por trás desta experiência é a seguinte: se não puserem primeiro os seixos grandes no jarro, não será possível que todos caibam lá dentro mais tarde.” Seguiu-se um momento de silêncio. Todos se tinham apercebido de que o professor tinha razão. Seguidamente este perguntou: “Quais são os grandes seixos da vossa vida? A vossa saúde? A vossa família? Os amigos? Tornar realidade os vossos sonhos? Fazer o que gostam mais? Aprender? Defender uma causa? Descontrair? Ter tempo só para vocês? Ou... algo completamente diferente?” “O que é realmente importante é pôr primeiro os seixos grandes da vossa vida. Caso contrário, não tomarão conta da vossa vida. Se derem primeiro atenção às coisas mais insignificantes (a gravilha, a areia...), encherão a vossa vida com coisas insignificantes e não terão tempo para as coisas realmente importantes." Joana Fojo Ferreira Tenho-me apercebido como compramos rótulos negativos sobre nos próprios, traços que nos apontam de forma muitas vezes abusiva e injusta, que acabamos por interiorizar e auto-definirmo-nos com eles.
E esta parte da interiorização é a mais cruel para mim, e explico porquê: A partir do momento em que acreditamos no que nos vendem e passamos a definir-nos com esse rótulo, passamos também a apresentar-nos ao mundo muito de acordo com ele. Naturalmente que as pessoas reagem a nós de acordo com esta postura que adoptámos, e nós vamos reforçando a ideia que isto nos define mesmo, já que toda a gente no-lo reconhece e no-lo aponta. Vejamos um exemplo: Imaginemos alguém cujos cuidadores rotularam de teimoso, de tal forma que esta ideia foi-se enraizando na pessoa, e ela própria já se apresenta como tal, vê reflexos da sua teimosia em tudo, e torna-se menos capaz de distinguir teimosia (que tem uma conotação tendencialmente negativa) de por exemplo determinação, dedicação, investimento, persistência (com conotações bem mais positivas). Como esta pessoa se reconhece como teimosa, facilmente vai referir esta sua característica numa qualquer conversa ou apresentação, em vez de características que talvez sejam mais fiéis à pessoa em que entretanto se tornou, talvez de facto determinada, investida, persistente. E se é a teimosia que refere, é como teimosa que a vão ver, não como determinada e persistente. É duplamente cruel: por um lado nós próprios vemo-nos defeituosos onde talvez existam qualidades, e influenciamos os outros a verem-nos pelos mesmos olhos negativos. O antídoto que sugiro é procurar definir com clareza o que é que faz efetivamente de cada um de nós teimoso (por exemplo), num espectro contínuo entre dimensões mais positivas e mais negativas da teimosia, e por outro lado analisar bem as situações, perceber quando se está a ser teimoso de facto, ou quando há adjetivos que qualificariam muito melhor a nossa atitude naquele momento, pela positiva ou pela negativa. A ideia é aumentarmos o nosso vocabulário e sermos mais precisos nas nossas auto-avaliações, para podermos alterar a nossa postura quando nos apontam teimosia (por exemplo) com razão, mas também nos defendermos e reconhecermos as nossas qualidades e a nossa flexibilidade quando abusam na forma negativa e cristalizada como nos definem. Joana Fojo Ferreira “Estas são as regras do jogo” Tenho me apercebido com vários pacientes, e mesmo com pessoas da minha vida pessoal, e por vezes eu própria, que a ideia de colocar limites é muito assustadora, traz a ameaça da perda, de magoar o outro a um nível que destrua a relação.
Ainda que os nossos limites possam sim ser incompreendidos pelo outro e por isso fazerem-no sentir-se magoado, e até possam ser prelúdios de um fim se o outro não os souber acolher e respeitar, também é verdade que são os limites, as “regras do jogo”, que nos permitem interagir de uma forma positiva e construtiva, que dá estrutura, segurança, e favorece as relações. Ao refletir sobre esta dificuldade em colocarmos limites, tem-me surgido que parte dela poderá advir também de uma distorção ou um enviesamento que sinto que fazemos no a quem é que sentimos que os estamos a colocar. Geralmente o outro sente que lhe estamos a colocar limites a ele, e parece-me que frequentemente compramos esta ideia, quando na realidade estamos, ou deveríamos estar, a colocar limites a nós próprios, o que podendo parecer o mesmo é na realidade bastante diferente e a própria experiência psicológica de o fazer é diferente e em mais do que um sentido. Quando sinto que estou a colocar limites ao outro sinto que o estou a privar da liberdade dele, quando reconheço que estou a colocar limites a mim próprio percebo que estou a usar da minha liberdade para me proteger ou defender, que é bastante diferente. Imaginemos uma discussão exaltada e infrutífera com um familiar perante a qual digo “chega, não vou mais alimentar esta discussão hoje”; se achar que estou a colocar um limite ao outro, a minha experiência é tendencialmente bem mais negativa, e a meu ver incorreta, do que se reconhecer que não o estou a impedir a ele mas sim a colocar um limite a mim, sou eu que decido alimentar ou descontinuar a discussão naquele momento. Apesar de eu ver benefícios no perceber que é a nós, mais do que aos outros, que colocamos, ou deveríamos colocar, limites, este reconhecimento nem sempre é suficientemente motivador; colocarmo-nos limites a nós pode ser tão ou mais difícil do que supostamente os colocarmos aos outros; isto porque temos uma certa tendência para esperar que os outros cooperem e ressentimo-nos quando nos sentimos abusados, advogando que eles deveriam ser mais maduros, mais compreensivos, mais respeitadores, enfim; e esta postura de nos colocarmos limites a nós implica assumirmos que, apesar de podermos ficar magoados ou desiludidos com as atitudes do outro, é nossa responsabilidade acima de tudo tomarmos uma atitude afirmativa e auto-protetora perante os potenciais abusos dele e mantermo-nos fiéis às nossas decisões. Os limites mais produtivos, ainda que talvez mais difíceis, precisamente pela responsabilidade que acarretam, passam por:
Tudo isto aguentando a angústia e o medo que a situação também nos causa a nós (e lá está, essencialmente medo da perda do outro ou do seu amor). Parece difícil? Talvez porque realmente o seja, mas quando temos a coragem de nos responsabilizarmos e tomarmos as rédeas da nossa vida, colocando-nos os limites que isso implica, tendemos a acabar por nos sentir mais seguros e satisfeitos nas nossas relações, porque contribuímos para elas se tornarem menos caóticas, menos pesadas, mais saudáveis, mais seguras. |
AutorasAndreia Santos Receba cada novo post no seu e-mail subscrevendo a nossa mailing list
|