Joana Fojo Ferreira Há uns tempos numa sessão surgiu a importância de escolhermos as nossas batalhas.
Tendemos a achar que nos devíamos afirmar e defender em todas as situações, sem reconhecer os riscos desta postura. Quando luto em todas as frentes que se me deparam, disperso-me, desgasto-me, perco em eficácia, e frustro-me e desmoralizo com as demasiadas derrotas que vão inevitavelmente surgir. Por sua vez quando escolho as minhas batalhas, abrindo mão das que não são prioritárias, foco-me e invisto no meu objetivo, avalio melhor o que é necessário para ter sucesso e estabeleço a minha estratégia, torno-me mais eficaz, tenho menos derrotas a desmoralizar-me, venço mais, e aumento a minha auto-confiança e sentido de auto-eficácia. Por outro lado, muitas vezes a nossa necessidade de nos afirmarmos está assente numa necessidade de mudarmos o outro ou a sua perspetiva, e recriminamo-nos por não termos sido suficientemente firmes e eloquentes na nossa argumentação, acreditando que poderíamos mudar o outro (e vencer a nossa batalha) se o tivéssemos sido. Se é verdade que a segurança e eloquência de uma argumentação tem o potencial de tocar o outro e alterar a sua perspetiva ou a sua atitude, tendemos a desvalorizar o papel do recetor no sucesso desta demanda, e a realidade é que a nossa afirmação só toca o coração do outro se ele estiver disponível para ser tocado. O que isto implica é que a maior parte das batalhas que travamos caem em saco vazio ou escalam para uma luta de poder em que ambos os lados querem convencer o outro mas nenhum está disponível para ser convencido. No fim, gastámos uma quantidade imensa de energia numa demanda inútil e desmoralizadora. Na base deste fenómeno está a premissa bem conhecida dos psicólogos, que lutamos diariamente para incutir nos nossos pacientes (é a nossa batalha), de que não temos o poder de mudar os outros, apenas de nos mudarmos a nós próprios. Curiosamente, recentemente vi um vídeo da Esther Perel, uma terapeuta de casal, que vai um bocadinho além e diz qualquer coisa como – mudamos o outro mudando-nos a nós. E conciliando ambas as ideias – a maior parte das batalhas são infrutíferas, mudamos os outros mudando-nos a nós – tenho cada vez mais a sensação que tanto mais mudamos o outro quanto menos batalhamos para o mudar. Se eu mudar a minha postura combativa para uma postura mais aceitante do outro e/ou da minha incapacidade de o mudar, crio mais espaço, potencialmente, para o outro processar as suas coisas ao seu ritmo e direcionar os seus recursos para repensar a sua atitude mais do que se defender. Experimente, por exemplo, numa discussão em casal ou com um familiar ou um amigo, desculpar-se por aquilo em que magoou o outro, em vez de se queixar daquilo em que o outro o magoou. Vai notar que frequentemente o outro vai aceitar as suas desculpas e desculpar-se também por sua vez da dor que lhe causou a si. Já quando se leva a discussão como uma batalha, a tendência é ambos atacarem e nenhum se desculpar. Não se lance portanto impulsivamente a todas as lutas, faça escolhas, perceba que situações precisam que se afirme e lute, e quais beneficiam de baixar as armas e procurar acordos. No final saboreie os sucessos que estas escolhas lhe trarão.
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Joana Fojo Ferreira “Estas são as regras do jogo” Tenho me apercebido com vários pacientes, e mesmo com pessoas da minha vida pessoal, e por vezes eu própria, que a ideia de colocar limites é muito assustadora, traz a ameaça da perda, de magoar o outro a um nível que destrua a relação.
Ainda que os nossos limites possam sim ser incompreendidos pelo outro e por isso fazerem-no sentir-se magoado, e até possam ser prelúdios de um fim se o outro não os souber acolher e respeitar, também é verdade que são os limites, as “regras do jogo”, que nos permitem interagir de uma forma positiva e construtiva, que dá estrutura, segurança, e favorece as relações. Ao refletir sobre esta dificuldade em colocarmos limites, tem-me surgido que parte dela poderá advir também de uma distorção ou um enviesamento que sinto que fazemos no a quem é que sentimos que os estamos a colocar. Geralmente o outro sente que lhe estamos a colocar limites a ele, e parece-me que frequentemente compramos esta ideia, quando na realidade estamos, ou deveríamos estar, a colocar limites a nós próprios, o que podendo parecer o mesmo é na realidade bastante diferente e a própria experiência psicológica de o fazer é diferente e em mais do que um sentido. Quando sinto que estou a colocar limites ao outro sinto que o estou a privar da liberdade dele, quando reconheço que estou a colocar limites a mim próprio percebo que estou a usar da minha liberdade para me proteger ou defender, que é bastante diferente. Imaginemos uma discussão exaltada e infrutífera com um familiar perante a qual digo “chega, não vou mais alimentar esta discussão hoje”; se achar que estou a colocar um limite ao outro, a minha experiência é tendencialmente bem mais negativa, e a meu ver incorreta, do que se reconhecer que não o estou a impedir a ele mas sim a colocar um limite a mim, sou eu que decido alimentar ou descontinuar a discussão naquele momento. Apesar de eu ver benefícios no perceber que é a nós, mais do que aos outros, que colocamos, ou deveríamos colocar, limites, este reconhecimento nem sempre é suficientemente motivador; colocarmo-nos limites a nós pode ser tão ou mais difícil do que supostamente os colocarmos aos outros; isto porque temos uma certa tendência para esperar que os outros cooperem e ressentimo-nos quando nos sentimos abusados, advogando que eles deveriam ser mais maduros, mais compreensivos, mais respeitadores, enfim; e esta postura de nos colocarmos limites a nós implica assumirmos que, apesar de podermos ficar magoados ou desiludidos com as atitudes do outro, é nossa responsabilidade acima de tudo tomarmos uma atitude afirmativa e auto-protetora perante os potenciais abusos dele e mantermo-nos fiéis às nossas decisões. Os limites mais produtivos, ainda que talvez mais difíceis, precisamente pela responsabilidade que acarretam, passam por:
Tudo isto aguentando a angústia e o medo que a situação também nos causa a nós (e lá está, essencialmente medo da perda do outro ou do seu amor). Parece difícil? Talvez porque realmente o seja, mas quando temos a coragem de nos responsabilizarmos e tomarmos as rédeas da nossa vida, colocando-nos os limites que isso implica, tendemos a acabar por nos sentir mais seguros e satisfeitos nas nossas relações, porque contribuímos para elas se tornarem menos caóticas, menos pesadas, mais saudáveis, mais seguras. Joana Fojo Ferreira Há uns tempos mais do que um paciente meu recomendou-me o livro “Amor e desejo na relação conjugal” da Esther Perel, que pude comprovar que é um livro que vale muito a pena ler.
Entre vários aspetos importantes abordados, quero hoje salientar duas ideias, interligadas, que a autora apresenta, e cujo reconhecimento é extremamente importante num casal. São elas:
A Esther explica que “aquilo que faz com que seja tão difícil conservar o desejo [numa relação conjugal] ao longo do tempo é o facto de isso exigir a reconciliação de duas forças opostas: liberdade e compromisso”. A liberdade por vezes assusta e traz o medo do abandono, o compromisso por vezes sufoca e traz o medo da auto-aniquilação. Frequentemente os problemas conjugais surgem associados a uma discrepância entre as necessidades de cada parceiro, um a sentir necessidade de mais compromisso, o outro de mais liberdade. O que é que contribui para a dificuldade em gerir esta dualidade nas relações? É aqui que entram frequentemente as marcas das nossas relações de infância, o tipo de vinculação que estabelecemos com os nossos cuidadores. Diz a Esther: “O grau em que as nossas relações de infância nutrem ou obstruem as duas necessidades antagónicas [necessidade de comunhão e de independência] irá determinar as vulnerabilidades que trazemos para as relações adultas: aquilo que mais queremos e aquilo que mais receamos.” “A capacidade de nos afastarmos dos nossos entes amados ao mesmo tempo que confiamos na sua constância assenta na segurança dos laços de infância. Quanto mais confiamos, mais longe nos conseguimos aventurar”. Já quando as vinculações que estabelecemos foram inseguras, sem equilíbrio entre a satisfação das necessidades de proximidade e de autonomia, tendemos a desenvolver ou uma necessidade imensa de liberdade e uma sensação de sufoco quando numa relação de compromisso (fruto tendencialmente de relações com cuidadores muito asfixiantes), ou uma necessidade imensa de compromisso e intimidade e uma sensação de abandono perante os movimentos de independência do outro (fruto tendencialmente de cuidadores mais ausentes e abandónicos). Como é que se gere esta dualidade entre necessidade de comunhão e de independência numa relação? A autora diz-nos: “É no reconhecimento e na gestão da dualidade que reside a sobrevivência do desejo”. “A intimidade erótica é um ato de generosidade e de egocentrismo, de dar e de receber. Temos de conseguir entrar no corpo ou no espaço erótico do outro, sem o terror de sermos engolidos e nos perdermos. Ao mesmo tempo, temos de conseguir entrar dentro de nós, rendermo-nos à absorção em nós mesmos na presença do outro, acreditando que o outro ainda lá estará quando regressarmos, que não se irá sentir rejeitado pela nossa ausência temporária. Temos de conseguir ligar-nos ao outro sem o terror da aniquilação, e temos de conseguir vivenciar a distância sem o terror do abandono.” “Harmonizar a vida doméstica com a vida erótica é um ato de equilíbrio delicado que, na melhor das hipóteses, só conseguimos realizar de forma intermitente. Exige que se conheça o outro, ao mesmo tempo que se reconhece o seu mistério persistente; que se crie segurança, ao mesmo tempo que se permanece aberto ao desconhecido; que se cultive uma intimidade que respeite a privacidade. Distância e comunhão alternam, ou sucedem-se em contraponto. O desejo resiste ao confinamento, e o compromisso não tem de engolir toda a liberdade.” A autora sugere um exercício que ajuda a perceber esta gestão: “– Quero que inspire profundamente e que retenha o ar nos pulmões o máximo que conseguir – peço. O oxigénio fresco rapidamente dá lugar ao dióxido de carbono, forçando-o a expirar. A princípio, a sensação de expirar é maravilhosa, mas passados alguns momentos anseia por novo oxigénio. – Não pode escolher entre inspirar ou expirar – explico –, tem de fazer ambas as coisas. O mesmo acontece com a intimidade e a paixão. – Explico que a tensão entre segurança e aventura é um paradoxo a gerir, não um problema a resolver. É um quebra-cabeças. – Consegue ter consciência de cada um dos polos? Precisa de cada um deles em alturas diferentes, mas não pode ter ambos ao mesmo tempo. Consegue aceitar essa realidade? A questão não se resume a “ou isto, ou aquilo”; é antes uma situação em que se obtém os benefícios de cada um sem deixar de reconhecer as limitações dos dois. É um fluxo e refluxo.” Como diz Anaïs Nin, citado pela autora deste livro: “O amor nunca morre de morte natural. Morre por não sabermos reabastecer a sua fonte.” (uma reflexão a partir do Lobo das Estepes de Herman Hesse) Joana Fojo Ferreira Recentemente li o “Lobo das Estepes” do Hermann Hesse, que retrata com uma profundidade e uma clareza a sensação de dualidade que vários pacientes trazem entre um lado humano e um lado supostamente de animal bravio e indomável – o lado lobo.
Esta dualidade, em que frequentemente a sensação interior é de o lobo suplantar tendencialmente o humano, é vivida com grande angústia, com uma grande falta de amor-próprio e de amor à vida. Nesta dualidade, cada um dos lados condena e rejeita o outro, nenhum realmente se compreende, portanto quando surge o lado humano, mais social e delicado, o lado lobo arreganha os dentes, ridiculariza, destrói a experiência de envolvimento; e quando surge o lado lobo, que se zanga e se ressente ferozmente das injustiças a que se sente sujeito, o lado humano vem e julga, critica, invalida a experiência interior. É a tensão entre não conseguir ser feliz nem como humano nem como lobo, já que se por um lado se rejeitam um ao outro, também não deixam nenhum viver sem a presença crítica do outro. A sensação é de alienação, de serem lobos incapazes de viver em contexto humano, mas suficientemente humanizados para também não se conseguirem suportar enquanto lobos. Esta dualidade “condena” a uma incapacidade de sentir satisfação consigo e com a vida, a inteligência e o entendimento das coisas não se faz acompanhar da capacidade de se experimentar, de se viver, com menos seriedade e mais leveza. Esta condenação é fruto por um lado desta crítica, desta falta de aceitação do que se é e das ambiguidades do que se sente, e por outro desta categorização dicotómica entre bom e mau, humano e selvagem, que não contempla variações positivas do lobo e negativas do humano, nem outros lados, outras facetas, ou que, quando as reconhece, procura imediatamente encaixá-las numa destas duas possibilidades – bom/humano ou mau/selvagem, e perde o poder enriquecedor e transformador de nos contemplarmos na nossa totalidade e podermos brincar com os nossos vários lados, organizarmo-nos e regorganizarmo-nos a cada momento como nos aprouver, como a cada instante nos fizer sentido e nos quisermos experimentar. Como tão bem nos mostra Hermann Hesse no livro, a capacidade de retirar satisfação de nós próprios e da vida implica recuperarmos e alimentarmos o nosso lado curioso e brincalhão, em que cada um dos nossos lados (bem mais do que dois) em vez de julgar os restantes vai curioso tentar percebê-los e, em jeito de brincadeira, vai-se explorando em combinação com eles, integrando as várias peças num todo mais coerente mas também flexível, com espaço para a cada momento retirar umas, integrar outras, transformar outras ainda. Citando Hermann Hesse no livro: “Isto é a arte da vida (…) Poderá de futuro conferir forma e animação ao jogo da sua vida, emaranhá-lo e enriquecê-lo como bem lhe aprouver, tudo está na sua mão”. Joana Fojo Ferreira A ideia de podermos depender tende a ser conflituosa, se por um lado o desejamos, também tendemos a temê-lo com muita força, num misto de medo de nos perdermos a nós próprios e/ou de sufocarmos o outro com as nossas necessidades.
Tenho-me apercebido com os meus pacientes que é difícil para muitos distinguirem a dependência negativa/sufocante da dependência positiva, que promove a ligação e nos faz sentir próximos e acompanhados. Esta indiferenciação fá-los temerem constantemente sufocar o outro, mesmo quando os seus movimentos de aproximação e de conexão são perfeitamente saudáveis e agradáveis ao outro de receber. Curiosamente, o que tenho percebido entretanto é que, ao contrário do que a lógica nos faria crer, tornamo-nos patologicamente dependentes quando ao longo da nossa história não recebemos dos outros o que precisávamos – é muitas vezes perante “outros” negligentes e não responsivos que tendemos a depender negativamente, sempre à espera do dia em que nos vão dar o que precisamos, sempre a esforçarmo-nos um bocadinho mais para o receber. Perante “outros” responsivos, capazes de ir ao encontro das nossas necessidades, a dependência é no fundo ligação; a necessidade fica imediatamente satisfeita, não precisamos exigi-la, e isso dá-nos segurança e liberta-nos, é um colo que sabemos que está sempre lá (ou que reaprendemos que podemos confiar), perante o qual não precisamos estar de vigia, ele não vai fugir, ele vai estar lá quando nós precisarmos e ele puder. E perante este cenário, nem precisamos de deixar de ser nós próprios, nem precisamos sufocar os outros, contamos simplesmente com eles; ligamo-nos a eles e permitimos-lhes ligarem-se a nós. ![]() Andreia Santos Este não é um texto sobre relações amorosas, mas sim, sobre relações em geral. Relacionarmo-nos é uma coisa natural, o que não significa que não haja desafios com os quais temos de lidar. Um desses desafios está relacionado com a noção de espaço pessoal (ou bolha pessoal). As relações têm níveis, isto é, podem evoluir de um nível em que o espaço pessoal de cada um não se toca, para um nível onde não há distinção entre o espaço pessoal de cada um. Na nossa vida, existem relações que estão em diferentes níveis e isso é importante, no entanto, as relações mais significativas e que contribuem mais para o nosso bem-estar são aquelas onde os espaços pessoais do Eu e do Outro se interligam. Frequentemente vejo as pessoas a existirem pouco na realidade do outro, tomando como exemplo: “não o vou incomodar com as minhas coisas”, “ele tem mais do que fazer, por isso não o vou convidar para ir a algum lado”, “na minha vida não acontece nada de especial, por isso não tenho nada para dizer”. É claro, que muitas vezes, trata-se mais de uma questão intrapessoal, em que há uma desvalorização do próprio e é isso que vai determinar a relação que estabelece com o outro. Contudo, muitas vezes o outro quer que ele o convide e que partilhe a sua vida, mesmo que possam ser coisas básicas, da vivência do dia-a-dia. No extremo oposto, temos as pessoas que fundem os seus espaços pessoais, tudo nas vidas depende do outro, das suas opiniões, decisões, saídas com outras pessoas. Desta forma, faz sentido falarmos na distinção entre proximidade e intimidade. A capacidade para estarmos próximos de alguém está diretamente relacionada com a diferenciação do indivíduo, podem fazer o exercício de responder à seguinte questão: Como é que eu me defino na ausência de relação? Por outro lado, a intimidade está relacionada com o equilíbrio poder e vulnerabilidade e envolve a consciência de que sou separado do outro com partes que podem ser partilhadas. A palavra partilha torna-se fundamental neste processo, pois é o nível de partilha que também define o nível de relação. Eu posso partilhar o meu descontentamento com o tempo de chuva, o resultado do jogo de futebol, dar a minha opinião sobre um assunto, as minhas emoções sobre a forma como alguém me fez sentir ou mesmo vulnerabilizar-me ao lado de alguém. Uma coisa importante é não confundir partilha com divisão, tal como dizia uma colega no outro dia, a partilha gera abundância e a divisão simplesmente escassez. A partilha é mais do que simplesmente uma divisão do tipo cinquenta cinquenta, em relação às tarefas, dinheiro, ideias, número de vezes que se teve a iniciativa de fazer algo. Tendemos a estabelecer diferentes tipos de relações com diferentes pessoas e diferentes contextos, embora cada um de nós tenha uma tendência para determinado estilo de funcionamento. Existem alguns estilos de funcionamento que podem causar mais dificuldades no bem-estar e nos objetivos interpessoais, são eles: o intrusivo, o evitante e o idealizante. O intrusivo é aquele que invade o espaço do outro, tende a puxar a intimidade e não a proximidade e isso assusta o outro. O evitante é aquele que se protege demais, ou seja não existe no espaço do outro e o idealizante, que apenas procura aquilo que idealizou e não está disponível para aquilo que surge. Para finalizar, é necessário um equilíbrio entre aquilo que Eu e o Outro precisamos. De um modo geral, esse equilíbrio vem da capacidade de diferenciação, da existência de reciprocidade, da proximidade, da intimidade, da partilha e fundamentalmente de um encontro daquilo que eu tenho e estou disposto a dar e o que quero e preciso receber. ![]() Joana Fojo Ferreira Tanto nas relações amorosas como nas relações de amizade, surge frequentemente um problema, muitas vezes subtil e pouco consciente, sobre o papel que cada um desempenha na relação no que toca cuidar e/ou ser cuidado.
Muitas vezes sem querer e sem nos apercebermos, cristalizamo-nos num destes papéis – ou somos os cuidadores, ou somos os que recebem cuidado; em vez de fluirmos entre estes dois polos e termos relações equilibradas entre o dar e o receber. Vou debruçar-me especificamente naqueles de nós que temos tendência a adoptar a postura do cuidador. Quais são as características internas do típico cuidador? O típico cuidador tem geralmente, ainda que de forma inconsciente, uma ideia de que só cuidando dos outros e procurando ir ao encontro das necessidades dos outros é que pode aspirar a receber o amor deles. Há uma postura de dar para se sentir merecedor de receber. No entanto, sem querer e sem se aperceber, tendencialmente não sabe receber e, ou fica muito desconfortável e a sentir-se muito vulnerável quando alguém tenta inverter os papéis e devolver-lhe cuidado, ou adopta uma postura de auto-suficiência, que passa a mensagem “não preciso de nada, eu resolvo-mo, nem tentes cuidar de mim”. Quais são as consequências da rigidificação neste papel? Por um lado, habitua os outros ao seu cuidado, cria uma imagem de cuidador que é difícil desfazer, tanto aos olhos dos outros, como no próprio reportório. Com esta imagem de cuidador, sempre disponível para o outro, passa também a imagem que está sempre bem ou que se resolve com facilidade, que é auto-suficiente, sabe bem cuidar de si. Isto acaba por trazer uma sensação imensa de solidão, de desamparo, já que é muito o cuidado que recebemos, e que nos permitimos receber, que nos faz sentir acompanhados, ligados aos outros, e confiantes em nós mesmos. Por outro lado, abre as portas ao ressentimento, porque por maior que seja a sensação de auto-suficiência, somos todos seres eminentemente sociais e relacionais, nalgum momento vai sentir com força a mágoa de não receber na mesma medida em que dá, sem se aperceber que há um lado em que foi o próprio que criou esta imagem de cuidador auto-suficiente, e que reforça esta ideia pela dificuldade em receber e alimentar o cuidado dos outros para consigo. Sair deste estilo não costuma ser fácil, implica um trabalho muitas vezes longo de ir tentando equilibrar o dar e o receber – aprender a dar menos, aprender a receber mais, e acreditar que se merece receber e que se vai receber, assim que se disponibilizar verdadeiramente para tal. Não há problema algum em cuidarmos dos outros, desde que nos saibamos também deixar cuidar. |
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