Andreia Silva Santos “Esta insatisfacão não consigo compreender Sempre esta sensação Que estou a perder Tenho pressa de sair Quero sentir ao chegar Vontade de partir P'ra outro lugar Vou continuar a procurar O meu mundo O meu lugar Porque até aqui eu só: Estou bem aonde eu não estou Porque eu só quero ir Aonde eu não vou Porque eu só estou bem Aonde eu não estou” (...) “Estou Além” de António Variações, uma descrição simples e tão precisa daquela sensação que chega a ser angustiante, pois por mais que se faça ou que façam por nós, nada chega. Tal como ele diz: “Não consigo dominar Este estado de ansiedade A pressa de chegar P'ra não chegar tarde não sei de que é que eu fujo Será desta solidão Mas porque é que eu recuso Quem quer dar-me a mão” Costumo dizer que a insatisfação, é como um consumidor de energia, precisamente porque ao sentir insatisfação (interna) tendemos a procurar alimento (fora/externo) e na realidade, quanto mais se procura menos saciados ou satisfeitos ficamos, e consequentemente mais ansiosos e angustiados, porque já tentamos tudo o que estava fora e nada resultou! Na realidade esta sensação que é tão visceral porque sinaliza algum tipo de necessidade psicológica. Ao contrário do que é o senso comum ou o nosso primeiro instinto, a solução está dentro, está na aceitação e não resignação, do nosso estado. Quantas vezes não ouvimos dizer ou dizemos para nós próprios: eu vou ser feliz quando…, eu queria era ter um namorado(a) que fosse assim (quando na realidade já têm), as pessoas que estão constantemente a mudar as coisas em casa de lugar, ou de sítios para viver (sem necessidade), quando nunca mais se consegue acabar um trabalho, porque ainda não está suficientemente bom... Mas atenção! Precisamos da insatisfação para evoluirmos, desafiarmo-nos, crescermos. A questão está em encontrar um equilíbrio (sei que por vezes difícil) entre, um continuar a procurar, melhorar e explorar e uma tranquilidade em que possamos dizer a nós próprios está tudo bem (mesmo que o trabalho não esteja exactamente como nós desejaríamos, mesmo quando estamos a sentir que o dia não está a correr tão bem, mesmo quando se queria algo mas naquele exacto momento não é possível).
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Joana Fojo Ferreira Há uns tempos mais do que um paciente meu recomendou-me o livro “Amor e desejo na relação conjugal” da Esther Perel, que pude comprovar que é um livro que vale muito a pena ler.
Entre vários aspetos importantes abordados, quero hoje salientar duas ideias, interligadas, que a autora apresenta, e cujo reconhecimento é extremamente importante num casal. São elas:
A Esther explica que “aquilo que faz com que seja tão difícil conservar o desejo [numa relação conjugal] ao longo do tempo é o facto de isso exigir a reconciliação de duas forças opostas: liberdade e compromisso”. A liberdade por vezes assusta e traz o medo do abandono, o compromisso por vezes sufoca e traz o medo da auto-aniquilação. Frequentemente os problemas conjugais surgem associados a uma discrepância entre as necessidades de cada parceiro, um a sentir necessidade de mais compromisso, o outro de mais liberdade. O que é que contribui para a dificuldade em gerir esta dualidade nas relações? É aqui que entram frequentemente as marcas das nossas relações de infância, o tipo de vinculação que estabelecemos com os nossos cuidadores. Diz a Esther: “O grau em que as nossas relações de infância nutrem ou obstruem as duas necessidades antagónicas [necessidade de comunhão e de independência] irá determinar as vulnerabilidades que trazemos para as relações adultas: aquilo que mais queremos e aquilo que mais receamos.” “A capacidade de nos afastarmos dos nossos entes amados ao mesmo tempo que confiamos na sua constância assenta na segurança dos laços de infância. Quanto mais confiamos, mais longe nos conseguimos aventurar”. Já quando as vinculações que estabelecemos foram inseguras, sem equilíbrio entre a satisfação das necessidades de proximidade e de autonomia, tendemos a desenvolver ou uma necessidade imensa de liberdade e uma sensação de sufoco quando numa relação de compromisso (fruto tendencialmente de relações com cuidadores muito asfixiantes), ou uma necessidade imensa de compromisso e intimidade e uma sensação de abandono perante os movimentos de independência do outro (fruto tendencialmente de cuidadores mais ausentes e abandónicos). Como é que se gere esta dualidade entre necessidade de comunhão e de independência numa relação? A autora diz-nos: “É no reconhecimento e na gestão da dualidade que reside a sobrevivência do desejo”. “A intimidade erótica é um ato de generosidade e de egocentrismo, de dar e de receber. Temos de conseguir entrar no corpo ou no espaço erótico do outro, sem o terror de sermos engolidos e nos perdermos. Ao mesmo tempo, temos de conseguir entrar dentro de nós, rendermo-nos à absorção em nós mesmos na presença do outro, acreditando que o outro ainda lá estará quando regressarmos, que não se irá sentir rejeitado pela nossa ausência temporária. Temos de conseguir ligar-nos ao outro sem o terror da aniquilação, e temos de conseguir vivenciar a distância sem o terror do abandono.” “Harmonizar a vida doméstica com a vida erótica é um ato de equilíbrio delicado que, na melhor das hipóteses, só conseguimos realizar de forma intermitente. Exige que se conheça o outro, ao mesmo tempo que se reconhece o seu mistério persistente; que se crie segurança, ao mesmo tempo que se permanece aberto ao desconhecido; que se cultive uma intimidade que respeite a privacidade. Distância e comunhão alternam, ou sucedem-se em contraponto. O desejo resiste ao confinamento, e o compromisso não tem de engolir toda a liberdade.” A autora sugere um exercício que ajuda a perceber esta gestão: “– Quero que inspire profundamente e que retenha o ar nos pulmões o máximo que conseguir – peço. O oxigénio fresco rapidamente dá lugar ao dióxido de carbono, forçando-o a expirar. A princípio, a sensação de expirar é maravilhosa, mas passados alguns momentos anseia por novo oxigénio. – Não pode escolher entre inspirar ou expirar – explico –, tem de fazer ambas as coisas. O mesmo acontece com a intimidade e a paixão. – Explico que a tensão entre segurança e aventura é um paradoxo a gerir, não um problema a resolver. É um quebra-cabeças. – Consegue ter consciência de cada um dos polos? Precisa de cada um deles em alturas diferentes, mas não pode ter ambos ao mesmo tempo. Consegue aceitar essa realidade? A questão não se resume a “ou isto, ou aquilo”; é antes uma situação em que se obtém os benefícios de cada um sem deixar de reconhecer as limitações dos dois. É um fluxo e refluxo.” Como diz Anaïs Nin, citado pela autora deste livro: “O amor nunca morre de morte natural. Morre por não sabermos reabastecer a sua fonte.” ![]() Andreia Santos Gostaria neste texto de partilhar convosco, uma ideia com a qual eu me identifiquei bastante sobre a forma como lidamos com as nossas preocupações, que ouvi de uma pessoa que percebe muito de bem-estar. Se fizermos um pequeno exercício de pensar o que é que achamos das preocupações, tendencialmente vamos todos dizer que são más e que não as queremos. Mas na realidade será isso mesmo assim?! A nossa mente está constantemente a criar preocupações que nos colocam num tempo que não é o momento em que estamos a viver, mas sim num futuro. Isto é, estamos a antecipar algo, “ estamos a pré ocuparmo-nos com preocupações”. Este foco no medo de um futuro conduz inevitavelmente a sintomas de ansiedade, onde se incluem por exemplo as insónias. Sendo algo que nos faz sentir tão desconfortáveis, qual será a melhor forma de lidar com elas? A resposta pode parecer complexa mas na realidade é tão simples como: ocuparmo-nos com aquilo que nos preocupa. Pode à partida parecer estranho mas, na realidade significa assumir responsabilidade pelos nossos actos e pelas consequências dos mesmos, ou seja fazer algo de concreto. Na minha prática clínica, oiço muitas vezes as pessoas dizerem que determinada coisa as preocupa, mas quando exploro a preocupação, muitas são as vezes em que percebo que as pessoas ainda não agiram, isto é, ainda não se ocuparam com aquilo que as preocupa. Exemplos muito simples, quando alguém diz: i) estou muito preocupado com os exames ou testes académicos e se percebe que as pessoas ainda não começaram a estudar ou a organizar o seu estudo ou ii) quando alguém tem receio que a relação amorosa possa terminar mas ainda nem sequer falou com o parceiro sobre isso ou agiu para que algo ficasse melhor. Experimentem pensar em algo que vos preocupa (podem começar com algo simples como uma situação que têm de resolver urgentemente) e de seguida, ocupem-se a fazer algo de concreto para a eliminar, nem que seja parcialmente, e estejam atentos ao que sentem de seguida. Muito provavelmente irão sentir um maior alívio da ansiedade ou tensão e uma maior sensação de tranquilidade, como se a preocupação tivesse tomado uma proporção menor. Joana Fojo Ferreira Socialmente parece haver uma expectativa de evoluirmos linearmente ao longo do tempo; vendem-nos a ideia de que é suposto estarmos sempre a crescer e a melhorar. Na prática isto não acontece, não evoluímos ou melhoramos de forma linear, temos altos e baixos, tendemos a oscilar. O problema é que, perante a expectativa, irrealista e eu diria mesmo que errada, de que o saudável seria melhorarmos de forma linear, quando vemos alguém mais em baixo, depois de um período em que se tenha sentido melhor, conotamos este “baixo” como um retrocesso, julgamos que a pessoa está a piorar, e explicita ou implicitamente passamos-lhe esta mensagem, mostramo-nos preocupados e desanimados com o seu estado de saúde mental. Por sua vez, os que voltam a sentir-se em baixo, pelas suas próprias expectativas e o desânimo que lêem nos outros, sentem uma grande frustração e desmoralização, sentem-se a falhar; e aí sim, com o acréscimo de toda a culpa associada, acabam por estagnar ou cristalizar cada vez mais nos seus esquemas problemáticos e desadaptativos; acabam por desistir de lutar. Na realidade, evoluímos sim, mas num movimento ondulatório, como o que ilustro na figura abaixo: Se analisarmos com cuidado, percebemos que temos altos e baixos sim, mas que também os baixos estão em processo de melhoria, tendem a ser cada vez menos baixos, oscilamos mas num movimento ascendente.
Se soubermos naturalizar estes baixos e reconhecer e reforçar o progresso que está a ser feito, favorecemos o ânimo e a coragem das pessoas para continuarem a lutar e a crescer, e prevenimos uma desmoralização desnecessária que pode bloquear ou atrasar este processo. Na realidade, mesmo o conceito de evolução linear em termos estatísticos, é uma mera redução dos pontos oscilantes ao longo do tempo à sua tendência de crescimento – a tendência é uma evolução linear positiva, mas o processo em si é oscilante. Não me querendo alongar em demasia, gostaria ainda de acrescentar uma consideração importante, é que do meu ponto de vista, na realidade esta evolução em onda ascendente é mais produtiva do que seria uma evolução estritamente linear. Esta evolução ondulatória permite-nos ensaiar sucessivamente formas mais eficazes de lidarmos com os “baixos” e consolidar as nossas conquistas perante os desafios mais dolorosos. Numa evolução estritamente linear não teríamos a possibilidade de perceber e treinar como lidar com os “baixos”, e num futuro em que eles voltassem a surgir, estaríamos menos capazes de lhes reagirmos de forma positiva e eficaz. É na possibilidade de treinarmos como lidar com os “baixos”, que a diferença para os altos vai diminuindo e nos tornamos mais sólidos e consistentes na capacidade de lidar positiva e eficazmente com os desafios que a vida nos coloca. Não desmoralize com os seus "baixos" nem com os dos outros, acolha-os e estimule que sejam aproveitados para continuar a crescer. (uma reflexão a partir do Lobo das Estepes de Herman Hesse) Joana Fojo Ferreira Recentemente li o “Lobo das Estepes” do Hermann Hesse, que retrata com uma profundidade e uma clareza a sensação de dualidade que vários pacientes trazem entre um lado humano e um lado supostamente de animal bravio e indomável – o lado lobo.
Esta dualidade, em que frequentemente a sensação interior é de o lobo suplantar tendencialmente o humano, é vivida com grande angústia, com uma grande falta de amor-próprio e de amor à vida. Nesta dualidade, cada um dos lados condena e rejeita o outro, nenhum realmente se compreende, portanto quando surge o lado humano, mais social e delicado, o lado lobo arreganha os dentes, ridiculariza, destrói a experiência de envolvimento; e quando surge o lado lobo, que se zanga e se ressente ferozmente das injustiças a que se sente sujeito, o lado humano vem e julga, critica, invalida a experiência interior. É a tensão entre não conseguir ser feliz nem como humano nem como lobo, já que se por um lado se rejeitam um ao outro, também não deixam nenhum viver sem a presença crítica do outro. A sensação é de alienação, de serem lobos incapazes de viver em contexto humano, mas suficientemente humanizados para também não se conseguirem suportar enquanto lobos. Esta dualidade “condena” a uma incapacidade de sentir satisfação consigo e com a vida, a inteligência e o entendimento das coisas não se faz acompanhar da capacidade de se experimentar, de se viver, com menos seriedade e mais leveza. Esta condenação é fruto por um lado desta crítica, desta falta de aceitação do que se é e das ambiguidades do que se sente, e por outro desta categorização dicotómica entre bom e mau, humano e selvagem, que não contempla variações positivas do lobo e negativas do humano, nem outros lados, outras facetas, ou que, quando as reconhece, procura imediatamente encaixá-las numa destas duas possibilidades – bom/humano ou mau/selvagem, e perde o poder enriquecedor e transformador de nos contemplarmos na nossa totalidade e podermos brincar com os nossos vários lados, organizarmo-nos e regorganizarmo-nos a cada momento como nos aprouver, como a cada instante nos fizer sentido e nos quisermos experimentar. Como tão bem nos mostra Hermann Hesse no livro, a capacidade de retirar satisfação de nós próprios e da vida implica recuperarmos e alimentarmos o nosso lado curioso e brincalhão, em que cada um dos nossos lados (bem mais do que dois) em vez de julgar os restantes vai curioso tentar percebê-los e, em jeito de brincadeira, vai-se explorando em combinação com eles, integrando as várias peças num todo mais coerente mas também flexível, com espaço para a cada momento retirar umas, integrar outras, transformar outras ainda. Citando Hermann Hesse no livro: “Isto é a arte da vida (…) Poderá de futuro conferir forma e animação ao jogo da sua vida, emaranhá-lo e enriquecê-lo como bem lhe aprouver, tudo está na sua mão”. Andreia Santos Numa data onde se comemora a liberdade, decidi escrever sobre a mesma como expressão da libertação de aprisionamentos pessoais. Esta ideia surgiu quando estava a assistir a um concerto inserido nas comemorações do 25 de Abril e ouvi o verso: ” Desaprender a vontade de sofrer”, que faz parte de uma música chamada “Vira a vida” do “projecto Kaya” . Este verso despertou a minha atenção, pois de imediato a associei a liberdade. Pode parecer estranho ou até paradoxal, esta vontade de sofrer, mas ela está presente em algumas pessoas ou em alguns momentos, na maior parte, sem que as mesmas se apercebam, é claro.
Por vezes, no passado o sofrimento esteve tão presente na vida das pessoas que mesmo não havendo motivo para o viver na actualidade, elas continuam como se ele lá estivesse, pois, foi de facto aprendido. Na realidade, as pessoas estão presas a crenças que já não fazem sentido e não contribuem para o seu bem-estar e crescimento pessoal. Por isso, é necessário desaprender esta vontade, através da luta e busca de coisas que lhes tragam felicidade, conforto e paz entre outras sensações que lhe permitam sentirem-se livres para ser. Sentir que merece ser feliz é uma forma de se sentir livre. Permita-se a si próprio ser livre! Joana Fojo Ferreira A ideia de podermos depender tende a ser conflituosa, se por um lado o desejamos, também tendemos a temê-lo com muita força, num misto de medo de nos perdermos a nós próprios e/ou de sufocarmos o outro com as nossas necessidades.
Tenho-me apercebido com os meus pacientes que é difícil para muitos distinguirem a dependência negativa/sufocante da dependência positiva, que promove a ligação e nos faz sentir próximos e acompanhados. Esta indiferenciação fá-los temerem constantemente sufocar o outro, mesmo quando os seus movimentos de aproximação e de conexão são perfeitamente saudáveis e agradáveis ao outro de receber. Curiosamente, o que tenho percebido entretanto é que, ao contrário do que a lógica nos faria crer, tornamo-nos patologicamente dependentes quando ao longo da nossa história não recebemos dos outros o que precisávamos – é muitas vezes perante “outros” negligentes e não responsivos que tendemos a depender negativamente, sempre à espera do dia em que nos vão dar o que precisamos, sempre a esforçarmo-nos um bocadinho mais para o receber. Perante “outros” responsivos, capazes de ir ao encontro das nossas necessidades, a dependência é no fundo ligação; a necessidade fica imediatamente satisfeita, não precisamos exigi-la, e isso dá-nos segurança e liberta-nos, é um colo que sabemos que está sempre lá (ou que reaprendemos que podemos confiar), perante o qual não precisamos estar de vigia, ele não vai fugir, ele vai estar lá quando nós precisarmos e ele puder. E perante este cenário, nem precisamos de deixar de ser nós próprios, nem precisamos sufocar os outros, contamos simplesmente com eles; ligamo-nos a eles e permitimos-lhes ligarem-se a nós. ![]() Andreia Santos Este não é um texto sobre relações amorosas, mas sim, sobre relações em geral. Relacionarmo-nos é uma coisa natural, o que não significa que não haja desafios com os quais temos de lidar. Um desses desafios está relacionado com a noção de espaço pessoal (ou bolha pessoal). As relações têm níveis, isto é, podem evoluir de um nível em que o espaço pessoal de cada um não se toca, para um nível onde não há distinção entre o espaço pessoal de cada um. Na nossa vida, existem relações que estão em diferentes níveis e isso é importante, no entanto, as relações mais significativas e que contribuem mais para o nosso bem-estar são aquelas onde os espaços pessoais do Eu e do Outro se interligam. Frequentemente vejo as pessoas a existirem pouco na realidade do outro, tomando como exemplo: “não o vou incomodar com as minhas coisas”, “ele tem mais do que fazer, por isso não o vou convidar para ir a algum lado”, “na minha vida não acontece nada de especial, por isso não tenho nada para dizer”. É claro, que muitas vezes, trata-se mais de uma questão intrapessoal, em que há uma desvalorização do próprio e é isso que vai determinar a relação que estabelece com o outro. Contudo, muitas vezes o outro quer que ele o convide e que partilhe a sua vida, mesmo que possam ser coisas básicas, da vivência do dia-a-dia. No extremo oposto, temos as pessoas que fundem os seus espaços pessoais, tudo nas vidas depende do outro, das suas opiniões, decisões, saídas com outras pessoas. Desta forma, faz sentido falarmos na distinção entre proximidade e intimidade. A capacidade para estarmos próximos de alguém está diretamente relacionada com a diferenciação do indivíduo, podem fazer o exercício de responder à seguinte questão: Como é que eu me defino na ausência de relação? Por outro lado, a intimidade está relacionada com o equilíbrio poder e vulnerabilidade e envolve a consciência de que sou separado do outro com partes que podem ser partilhadas. A palavra partilha torna-se fundamental neste processo, pois é o nível de partilha que também define o nível de relação. Eu posso partilhar o meu descontentamento com o tempo de chuva, o resultado do jogo de futebol, dar a minha opinião sobre um assunto, as minhas emoções sobre a forma como alguém me fez sentir ou mesmo vulnerabilizar-me ao lado de alguém. Uma coisa importante é não confundir partilha com divisão, tal como dizia uma colega no outro dia, a partilha gera abundância e a divisão simplesmente escassez. A partilha é mais do que simplesmente uma divisão do tipo cinquenta cinquenta, em relação às tarefas, dinheiro, ideias, número de vezes que se teve a iniciativa de fazer algo. Tendemos a estabelecer diferentes tipos de relações com diferentes pessoas e diferentes contextos, embora cada um de nós tenha uma tendência para determinado estilo de funcionamento. Existem alguns estilos de funcionamento que podem causar mais dificuldades no bem-estar e nos objetivos interpessoais, são eles: o intrusivo, o evitante e o idealizante. O intrusivo é aquele que invade o espaço do outro, tende a puxar a intimidade e não a proximidade e isso assusta o outro. O evitante é aquele que se protege demais, ou seja não existe no espaço do outro e o idealizante, que apenas procura aquilo que idealizou e não está disponível para aquilo que surge. Para finalizar, é necessário um equilíbrio entre aquilo que Eu e o Outro precisamos. De um modo geral, esse equilíbrio vem da capacidade de diferenciação, da existência de reciprocidade, da proximidade, da intimidade, da partilha e fundamentalmente de um encontro daquilo que eu tenho e estou disposto a dar e o que quero e preciso receber. Joana Fojo Ferreira Às vezes ficamos tão presos nas nossas cabeças que nos esquecemos de escutar e usar o nosso corpo, de nos descobrirmos e nos expressarmos através do movimento que ele nos permite. E este equilíbrio entre o pensar e o sentir/agir é essencial para uma vivência mais integrada e saudável de nós mesmos, tanto nas relações connosco próprios como nas relações com os outros. O ideal é o corpo receber informação/estímulos (sentir), que o cérebro ajuda a dar significado/coerência (pensar), para novamente o corpo entrar em acção e responder de volta para o mundo (agir). Se esta cadeia é interrompida ou rigidificada nalgum ponto, passamos a ficar estagnados, bloqueados, a vida deixa de fluir. É essencial primeiro estarmos atentos ao nosso corpo, percebermos como nos sentimos face às coisas; para depois pensar sobre o que estamos a sentir, e é muito importante que o pensamento seja guiado pela emoção, se for apenas no abstracto ou em negação ao que estamos a sentir vai ser improdutivo; para depois de dado significado, o corpo voltar novamente à acção, desta vez para enviar mensagens para o exterior, em resposta ao estímulo percepcionado. Dançar, por exemplo, é uma excelente forma de treinar esta cadeia. Experimente o seguinte exercício: De pé, ponha uma música do seu agrado a tocar, apure os seus sentidos e preste atenção ao seu corpo, como é que a música mexe com ele, que sensações desperta… Deixe-se ficar um tempo aqui, e experimente depois incluir a cabeça neste processo, mas não é um pensar abstracto, desconectado do corpo, é simplesmente estabelecer ligações, perceber para onde é que estas sensações o levam, que memórias e imagens lhe despertam, é dar significado/nome/sentido a estas sensações e emoções… E daqui comece a mexer o seu corpo como ele pede para ser mexido, expresse estas sensações e emoções de que se apercebeu ao dar-lhe atenção, mexa-o ao som da música e no fundo ao som de si, é a si que se está a expressar. Deixo-o então com a sua música e com o seu corpo, liberte-se e deixe-se fluir. ![]() Andreia Santos Neste texto gostaria de reflectir sobre o “sentir”, questão que à partida parece simples mas que por vezes se complica bastante. A capacidade para sentir é mais ou menos comum a todos nós, sentimos: calor, frio, o sabor daquela comida deliciosa, o vento a bater na cara, a saudade quando alguém de quem gostamos está longe, a alegria, a angustia, o medo, o prazer … São inúmeras as sensações e emoções que podemos sentir. No entanto, muitas vezes chagamos a um ponto, onde andamos às voltas e surge a questão: “O que é que eu estou a sentir? E esta pergunta repete-se vezes sem conta. Esta questão torna-se um problema, não quando surge mas precisamente quando nos impede de “ver” ou melhor “sentir” aquilo que está lá, e entramos numa espiral de dúvidas e ruminações sobre aquilo que nos preocupa. Podemos pensar sobre o porquê disto acontecer e neste sentido surgem várias hipóteses, diria que uma das primeiras será o facto de que realmente ao longo do nosso crescimento, vamos adquirindo imensos filtros sociais que nos levam a questionar: “Será que devia sentir isto que estou a sentir?”. As crianças, por outro lado, dão mais atenção àquilo que estão a sentir e manifestam precisamente isso. Uma outra hipótese, que vem no seguimento da primeira é o facto de haver uma tendência para a racionalização e/ou intelectualização daquilo que sentimos. Isto é, tendemos a pensar na experiência que tivemos sob vários aspectos, tentamos encaixar em alguma teoria, procuramos todos os significados possíveis e sem dar por isso, saímos da experiência inicial. Por fim, considero que uma terceira hipótese se relaciona com o facto de estarmos muito focados no que se passa ao nosso redor, no exterior, sem dar muita atenção ao que se passa connosco, e quando me refiro a isto, estou-me a referir ao nosso corpo. Muitas vezes, o nosso corpo está a dar sinais (dores de costas, tensão muscular, dores de cabeça) que precisa de descansar ou de ser cuidado de outra forma, mas continuamos como se isso fosse um luxo que o corpo está a pedir. Mas o nosso corpo não nos dá apenas esta informação, também nos dá informação de que estamos bem, porque andamos a cuidar bem dele e de nós. A resposta à questão do título: “Como é que eu posso ter a certeza daquilo que estou a sentir?” não é uma resposta linear, mas pode ajudar, passarmos a escutar mais o nosso corpo. Quando estamos “embrulhados” nesta questão, tentar perceber: Como é que o meu corpo está a reagir a esta situação?, quais as zonas do meu corpo onde estou a sentir?, com que intensidade? É algo novo, é algo que costumo sentir? Agora que vem o bom tempo, que tal fazer um pequeno treino: parar e reparar em situações que o fazem sentir coisas: um pôr-do-sol, crianças a brincar, uma praia, um gelado, o cheiro do creme do protector solar. A ideia é percorrer os cinco sentidos e perceber o que é que aquilo o faz sentir. |
AutorasAndreia Santos Receba cada novo post no seu e-mail subscrevendo a nossa mailing list
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